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As palavras poéticas e transparentes do Mestre Jesus, ditas há tanto tempo e intensamente reproduzidas ao longo da história, são divinos medicamentos para todas as aflições humanas. No texto de São Lucas (9:62), o Celeste Amigo determina: Ninguém que lança mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. Nessa reflexão generosa do Mestre, encontramos clara menção a tudo aquilo que nos provoca o entrave no adiantamento espiritual e no caminho rumo à libertação de nossas aflições. Entre as causas que nos fazem, comumente, olhar para trás, dificultando o progresso, está um infértil e paralisante sentimento: a culpa.

Para o espírito Hammed (1), “culpa quer dizer paralisação das nossas oportunidades de crescimento no presente em consequência da nossa fixação doentia em comportamentos do passado”. As fixações em comportamentos do passado que insistimos em querer mudar ou rejeitamos aceitar, atribuindo uma grande carga de responsabilidade inerte a nós mesmos, chamamos de culpa. Digo “responsabilidade inerte”, pois o sentimento de culpa congela o espírito em triste estado de dor e insatisfação – no qual o indivíduo revisita o momento em que se deparou com sua falha, sua frustração ou imperfeição –, sem, porém, produzir nenhuma ação de reparação ou transformação de conduta, apenas consumindo, aos poucos, sua vitalidade, sua energia e sua elevação.

Na busca pela religiosidade e pela elevação espiritual, comumente esbarramos em conceitos e ideias constituídas de que a culpa nos redimiria de nossos erros e abriria as portas da reconciliação de nosso espírito com o Criador. Entretanto, voltemos ao exemplo do Cristo Jesus para repensarmos essa questão. Em algum momento de sua história, Jesus incentivou seus discípulos e aqueles que com Ele estiveram a sentirem-se culpados pelos erros cometidos? Sabemos que não. O que o Mestre ensinava conduzia os indivíduos à conscientização de seus erros, à reparação de quanto fosse possível e à continuação de suas caminhadas de forma mais leve, sem o peso do pecado.

A consciência de nossa responsabilidade sobre nossos atos, sentimentos, nossas escolhas e atitudes pode, sim, produzir sentimentos de vergonha e culpa tão intensos quanto for grande nossa dificuldade de reconhecermos que somos seres imperfeitos, que erramos, que estamos suscetíveis a críticas e que temos muito ainda que aperfeiçoar em nós mesmos. Ou seja: nossa culpa é sempre do tamanho do nosso ego. Se nos pensamos infalíveis, perfeitos e moralmente ilibados, a culpa que carregamos face ao erro é enorme, dolorosa como uma ferida aberta. Por outro lado, se reconhecemos que somos uma infinitésima parte da criação, que somos falíveis e imperfeitos, rapidamente transformamos a culpa em responsabilidade e buscamos, sem pestanejar, a reparação dos nossos erros, sem nos submetermos a formalidades humilhantes nem ignorarmos as consequências de nossas faltas.

Podemos acreditar que, no passado, poderíamos ter agido de forma melhor e tomado decisões melhores, mas que controle temos sobre o passado? Como é possível sofrer de culpa por não termos sido perfeitos como gostaríamos de ser, uma vez que não somos, de forma alguma, perfeitos? Desvencilhemo-nos desse passado que condena e aprisiona e que só existe porque nós assim permitidos e desejamos, troquemos a culpa pelo arrependimento. Arrepender-se é ter a consciência de que tínhamos condições e capacidade de fazer melhor do que fizemos; o arrependimento nos conduz à reparação e ao aprendizado, uma vez que é parte também da jornada humana revisar e aprimorar a forma de lidar com as diversas situações e questões da vida.

Nossa família, nossa sociedade e nossa cultura como um todo nos impõem momentos em que somos obrigados a sentir culpa, sob o preço de sermos julgados maus ou insuficientemente bons. Da mesma forma, se não choramos na despedida, se não nos lastimamos infinitamente pela perda, se superamos rapidamente a mudança, se nos desapegamos com facilidade de ideias e pessoas, podem julgar que não amamos, pois a ideia adoecida de amor que vigora na coletividade é a de amor-dependência e amor-sofrimento, manifestada em tantos dogmas implícitos em nossas relações: “quem ama tem ciúme”, “quem ama precisa estar perto”, “quem ama se submete”, “quem ama aceita tudo” e tantos outros enganos.

Imaginemos que estamos diante de Jesus e temos a oportunidade de perguntar-lhe “Mestre, o que é o amor?”. O que você acha que Ele diria? Talvez Ele dissesse que amor é liberdade e verdade; é aquilo que traz paz e leveza, que deixa ir e que abre os braços para o retorno; é o que tudo compreende, mas nem tudo aceita, por muito acreditar que podemos ser melhores; é o que sabe morrer e renascer sempre que preciso. Diante disso, onde reside a luz do amor não há espaço para a culpa, pois o amor movimenta e transforma, enquanto a culpa paralisa e condena.

Um caminho cheio de paz, bem e harmonia para todos nós!

Médium Luiza Vieira

(1) Na obra As dores da Alma, psicografia de Francisco do Espírito Santo Neto (2012).