CURIMBA E MÚSICA, ALEGRIA E UNIÃO
Médium Lucius LettieriA curimba é o ambiente no terreiro composto pelos instrumentos musicais e pelos médiuns denominados Ogãs, Curimbeiros ou Atabaqueiros. E você sabia que junto com os atabaques, a curimba traz a cultura ancestral à Umbanda, além de alegria? Porém, quem conhece bem a ritualista Umbandista sabe que a função da curimba não é simplesmente animar um terreiro. E nenhum médium precisa dela para incorporar. Mas é claro que a musicalidade pode ser utilizada como fator potencializador das ritualísticas e da incorporação. Na verdade a curimba é uma das peças na complexa engrenagem de um terreiro. Por analogia, podemos dizer que ela é o coração do sistema. Alias, pode-se fazer um paralelo com a função do exu no candomblé: assim como ele, a curimba funciona como mensageira dos orixás.
Todo Ogã nasce e aperfeiçoa-se sendo guiado pela inspiração. Chamamos isso de “mediunidade de inspiração”. Na curimba, ela é acompanhada, principalmente, das mediunidades artísticas, musical, e intuitiva. A definição desse conjunto mediúnico pode ser assim expressada: percepção da dinâmica do plano espiritual de acordo com as necessidades da gira, traduzindo-a de modo criativo e objetivo por intermédio da música e dos versos, sempre com o auxilio dos guias espirituais. A curimba é a comunicadora e um contato constante com o plano espiritual e com as diversas variações que ocorrem no culto.
Outro aspecto que compões a maioria das religiões são as preces e orações. A prece pode ser definida como a manifestação externa de um sentimento ou sensação interior que toca o ser que a pronuncia, seja essa manifestação mentalmente ou falada. Em diversos cultos e rituais sagrados, notadamente em religiões de matrizes africanas e indígenas, as orações e preces são executadas por intermédio das canções e da música. Os instrumentos e atabaques servem para aprimorar esse processo. São denominadas, assim, de orações cantadas ou pontos. “Rezar” um ponto é mais uma função da curimba. Por isso é possível observar que, ao valer-se da curimba e dos pontos, o culto umbandista praticamente inicia e encerra seus trabalhos espirituais orando.
Esse processo é um tipo de reza forte com musicalidade revestida de africanidade e pajelança ao modo da umbanda. E dentro dessa dinâmica magística-musical, os ogãs devem colaborar com os dirigentes, captando com sua percepção mediúnica tudo que está ao redor da gira, esforçando-se em distinguir aquilo que é oportuno ou não, e automaticamente “rezando” e “orando” a vibração necessária para o momento. Por intermédio da percepção, o ogã inspira-se e auxilia ao perceber a aproximação de um guia espiritual que o médium incorporante ainda não percebeu.
Além disso, para os principiantes, a música pode suaviza a recepção das palavras cantadas, oferecendo imersão às cantigas e aos rituais, transformando os trabalhos mais acolhedores. O ponto cantado ajuda a tranquilizar o consulente que esta sendo atendido. Também pode ter a função de sustentar a concentração do médium incorporado, e até a de descontrair e suavizar o clima mediúnico do terreiro.
A música pode funcionar ainda como processo de cura e libertação, tocando em pontos sensíveis das emoções e da psique de quem a contempla, seja encarnado ou desencarnado. A pronúncia firme de cada frase, alinhada ao uso específico de palavras de poder, tem a força de acessar áreas profundas do cérebro e aproximar-se de energias singulares do cosmos. Em verdade, os pontos são mensagens que transmitem os mais variados significados. Funcionam como um processo que engloba as artes e a meditação, unidos à criatividade e espontaneidade, mas nunca distante da seriedade, humildade e simplicidade.
Em decorrência da percepção sensorial-mediúnica, o Ogã deve estar sempre atento para o andamento dos trabalhos e do bem-estar da gira.
Ele vê, sente e percebe essa dinâmica mediúnica, e, em alguns casos, a presença de um opositor. Deve ainda ter atenção para que todas as etapas do ritual transcorram conforme a necessidade do terreiro. Aqui, portanto, a curimba colabora com a segurança da casa espiritual. Por isso, todo Ogã deve preparar-se espiritual, física e emocionalmente. É indispensável o estudo detalhado do uso de cada tipo de batida no atabaque, além da simbologia que cada palavra, frase ou ponto carregam.
Em alguns casos, os pontos e os atabaques não são especificamente direcionados para os médiuns ou consulente (embora eles peguem “carona” no processo), e sim para as entidades que estão em volta da corrente, especialmente a dirigente da gira. Mas é sempre uma parceria indispensável que envolve toda a corrente.
Sob um ponto de vista geral, o calor e energia gerados com as batidas no couro dos atabaques, alinhadas com a melodia e comandos pronunciados pelo orador dos pontos cantos, permitem que diversos tipos de demandas sejam quebradas, ou ainda, que energia sejam transmutadas. Em sua multiplicidade, a curimba deve transmitir segurança, alegria e espírito de união.
Por isso, todos os médiuns podem e devem interagir com os acontecimentos da gira e com os trabalhos da curimba. Isso é importante para o próprio médium que interage, mas principalmente para o andamento da gira. Fica evidente, assim, a diferença que há entre a música mecânica e a realizada presencialmente. A música presencial permite maior dinâmica e magnetização, embora a música eletrônica também tenham sua utilidade e pode ser utilizada em processos de meditação e harmonização.
Desmoraliza a curimba o ogã que pula de terreiro em terreiro apenas para tocar um atabaque, desprezando o fundamento espiritual e o propósito da curimba e do terreiro. Por tudo isso, os ogãs precisam se esforçados para cumprir esse papel sagrado com excelência, e todos os médiuns devem preocupar-se com o bem estar da curimba e com seu terreiro, respeitando e colaborando com o compromisso de cada um. Salve a curimba e a Umbanda.
Médium Lucius Lettieri.